sexta-feira, 11 de março de 2011

Voltaire e o Twitter

Em Cândido ou o Otimismo, Voltaire estabelece uma permanente contradição entre o ingênuo otimismo do jovem Cândido e os ensinamentos de seu mestre Pangloss. Em síntese, como filosofia de vida do mestre, tudo está bem quando está mal, ou, ainda, vivemos o melhor dos mundos e o que vem pela frente é muito pior.


Bem, ontem à noite, após o término do jogo do Internacional, sentei para comer algo antes de dormir e vagarosamente acessei a minha conta no Twitter. Antes de sair do Estádio, constatei algo incomum, todos os comentaristas de futebol elogiavam o que havíamos apresentado em campo. Na costumeira entrevista ao final do jogo, aproveitei para elogiar a todos, demonstrando o ambiente vivido no vestiário.


Comecei elogiando o Marquinhos, nosso preparador de goleiros que tem auxiliado muito, em especial na segurança e coragem que o Lauro tinha demonstrado na partida. Elogiei o Fábio, nosso preparador físico, pela condição dos jogadores, pois quando ganhávamos por três gols de diferença, eles corriam como se estivessem em busca do resultado. Elogiei o Carraveta, os fisioterapeutas e os médicos, pelo fato de vários jogadores estarem recuperados. Sobis e Tinga são exemplo disso.


E, ainda, como não poderia deixar de ser, o Celso Roth, pois o que vi revelou que a sua dedicação e obstinação nos treinamentos estavam dando resultado. Sorondo, Rodrigo, Cavenaghi, Andrezinho, etc. Armou bem o time, demonstrou, na prática aquilo que sempre falamos, necessidade de efetividade no ataque, sendo desnecessário falar no Damião e no Oscar. Tudo me pareceu muito bem! Muito bem encaminhado, pois a equipe revelou, em cinquenta dias, um grande crescimento e potencial ainda maior.
A síntese foi a de que o treinador tinha uma boa dor de cabeça, escalar a equipe com a gama de valores que temos em nosso plantel. Lembrei do Bolívar, do D'Ale, do Índio, do Alecssandro, do Alex, do Nei, do Renan, do Muriel, do Agenor e dos demais. Sem falsa modéstia, também na entrevista, dei uma puxada na brasa para o meu assado, afirmando que as ditas contratações pontuais foram bem feitas. Referência expressa ao incontestável Bolatti, ao habilidoso Zé Roberto e ao capaz e experiente Cavenaghi (em apenas uma jogada, colocou o Sobis na frente do goleiro adversário).


Bem, mas voltando ao Twitter. Quando adotei a ferramenta como forma de interagir com a nossa torcida, fui saudado como revolucionário na postura. Sempre tive consciência do risco que isso representava, à medida que colocava, dentro do possível, em espaço público as minhas idéias. Lá pelos meus distantes quinze anos de idade, com meus arroubos de crença na humanidade e na capacidade de solidariedade das pessoas, ouvia do meu pai: os incendiários de quinze anos se transformarão nos bombeiros dos trinta!


Sempre interpretei aquilo como uma certa arrogância, ou uma forma de minimizar o meu ímpeto transformador. Lidei com isso ao longo da vida, sempre indagando qual o meu papel diante das circunstâncias. A sentença do meu pai caiu com um peso imenso sobre mim no aeroporto de Havana, quando deixava para trás todos os meus sonhos com um nó na garganta. Ontem, li de tudo no Twitter: "não vamos longe..."; "não vamos nos enganar jogando com o Ypiranga..."; "troca o treinador enquanto é tempo..."; "perderemos a Libertadores...".


Confesso que não acreditei. Será que são torcedores de um outro clube infiltrados no meu twitter?
A minha primeira reação, frente ao descompasso entre o que estou testemunhando no vestiário e aquelas manifestações foi de responder, "LARGUEI". Refleti sobre o meu tempo de jovem torcedor, pois quando tinha dez anos, acompanhado pelo meu amigo Ricardo (inseparável parceiro de jogos), achávamos o máximo berrar nas cadeiras do Beira-Rio contra técnicos, jogadores e direção. Queríamos sempre o máximo e algum culpado pelas derrotas.


Presenciei naquela cadeira, durante anos, empates, derrotas e memoráveis vitórias. Não podia ser diferente, pois são os únicos resultados possíveis no futebol. Outra reflexão. Passei a questionar o papel que desempenhei na diretoria do Internacional, pois em várias oportunidades por escrito, nos veículos do Clube, contrapus algum comentário da imprensa esportiva. Desta vez, após um bom jogo, uma vitória de goleada, as críticas partiam de dentro de nossas trincheiras. Dos nossos torcedores.


Conclusão: é ficção a tal imprensa azul! Na realidade, no futebol, o que apreendi na prática, jamais chegaremos a um consenso lógico. Para cada jogada, para cada jogador, para cada esquema tático, milhares de opiniões surgirão. A imprensa apenas repercute a multiplicidade interpretativa dos torcedores. Digamos, é quase como uma religião. Cada um tem a sua e explica o inexplicável pelos dogmas que crê. Acordei, ainda incomodado pela leitura do twitter e, confessadamente viciado na ferramenta, resolvi dar uma olhada. Havia um número expressivo de seguidores sugerindo que eu bloqueasse aqueles que chamavam de corneteiros.


Pensei naquilo como uma alternativa, mas me senti quase que como um censor da época da ditadura. Afinal, temos ou não a liberdade de expressão nas redes sociais? Poucas vezes usei o expediente indicado. Quando lancei mão da alternativa, o fiz diante do uso inadequado de palavrões. Quero dizer que continuo pensando. Penso em aguardar o jogo de domingo em Caxias e o de Cochabamba e talvez retornar. Talvez retornar unilateralmente, dando notícias e em respeito aos milhares de torcedores que têm no Internacional uma paixão. Mas, paixão madura, responsável e que faz crer no futuro.


Mas, independentemente do que penso das críticas daqueles que, como o professor Pangloss de Voltaire, acreditam que o pior é o que está por acontecer, sigo otimista e negando a condição de bombeiro e as surradas posturas. Verifiquei que algumas coisas que pensava como torcedor estavam definitivamente equivocadas. Um vestiário não pode ser controlado apenas na base da pressão. Jogadores não são máquinas, são homens como todos nós, possuem virtudes e defeitos, assim também a comissão técnica. Como então comandar um vestiário?


Aplicando uma receita prosaica: enaltecer as virtudes e tratar os defeitos como passíveis de correção. Há algo que não pode ser mensurado em um grupo de trabalho, há algo que foge ao razoável, ao comum. É o algo a mais. Sim, além dos limites, o comprometimento de todos que trabalham em prol de um objetivo comum. Vejo isso no futebol do Internacional e isso supera as eventuais dificuldades.


Vi isso no pedido dos nossos jogadores em ostentarem uma faixa de apoio ao Renan. Talvez, apenas em razão disso, em respeito ao trabalho que testemunho, tenha ficado tão indignado com as críticas que considero extemporâneas dirigidas ao nosso vestiário. Para que não paire dúvida, falo do chamado fogo amigo.

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